quarta-feira, 8 de outubro de 2008

RIO ZÊZERE: UM BREVE OLHAR RETROSPECTIVO


RIO ZÊZERE: UM BREVE OLHAR RETROSPECTIVO
A pesquisa bibliográfica feita para um apontamento histórico sobre hidrologia médica (publicado na edição n.º 209 da Gazeta do Tejo) trouxe-nos mais notas sobre o Rio Zêzere. Não iremos, agora, à origem do étimo nem à famosa “carta de composição” datada de 1208, mas ficam algumas referências históricas.De resto, o rio foi aliado e adversário de uns e de outros, nas encruzilhadas da história e da literatura. Terá merecido alguns versos de Luís de Camões, aquando do seu provável exílio na então Vila Nova de Punhete (Constância, actualmente). Terá frustrado os intentos de D. Manuel Godoy, na incursão conhecida como “a guerra das laranjas”, em 1801, que, ainda assim, nos levou Olivença. Dificultou a vida às tropas franco-espanholas aquando das invasões francesas, particularmente a de 1807, quando Junot, Carrafa e os seus homens experimentaram grandes dificuldades em enfrentar a sua força natural. Força que a barragem do Castelo do Bode viria a domar em 1950!Outros comentários? Lá iremos.
1. Um rio com águas de cor triste e verde negra
Em 1726, no Aquilégio Medicinal, o Dr. Francisco da Fonseca Henriques escrevia o seguinte (linguagem actualizada), no capítulo dedicado aos rios:“Este rio nasce na Serra da Estrela, perto do Mondego; vem com rápida corrente rodeando pela Beira, engrossando com as águas de outros rios, entre as quais leva o Nabão, até se meter no Tejo junto à Vila de Punhete. Acham-se nas suas águas grãos de ouro. São as suas águas de cor triste, e verde negra, e prejudiciais a pessoas achacadas de pedra, e areias, mas de grande virtude para inchações, principalmente procedidas de calor, e por isto se pode usar delas em hidropesias de causa quente; nos enfisemas e intumescências universais de natureza quente, assim para beber, assim como para se lhe cozerem os seus alimentos. Além disto também se entende que têm as águas deste rio particular virtude para se caldear ferro e aço, e para curtir linho, segundo o que por lição de Zacuto escreveu Frei Bernardo de Brito, de cuja Geografia Portuguesa o transcreveu Bluteau para o seu Vocabulário Português e Latino”.
2. Um rio lírico represado
Percorrendo mais uns anos, vamos encontrar no V Volume do Diário de Miguel Torga um texto de grande beleza, situado/datado em "Castelo do Bode, 19 de Março" (1950?). Diz assim:"A nossa paisagem física e psicológica vai-se pouco a pouco modificando. Os rios líricos, represados, começam a dar energia eléctrica, e os montes ossudos, repovoados, perdem pouco a pouco o seu perfil trágico e alucinado. O mundo caminha nas rodas do progresso, e atrás dele lá vai a atamancar a nossa harmonia bucólica e faminta. É pena que os homens não descubram senão em formas cosmopolitas. Que o mesmo saca-rolhas tire as rolhas de todas as garrafas. Cada terra devia ter os seus inventos próprios, as soluções próprias do seu caso. Assim, até o Mondego dos rouxinóis terá de dar um dia o seu quilovátio".
Manuel Paula Maça

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