ALDEIA DO MATO ABRANTES - REGISTOS PAROQUIAIS 1860-1911 - 7
Antiga Igreja Carreira do Mato. Foto de um amigo, retirada da net.
ALDEIA DO MATO 1860 A 1911
(Continuação)
7
PROFISSÕES, OCUPAÇÕES OU LUTA PELA
SUBSISTÊNCIA
Os
registos disponíveis referem algumas profissões
ou atividades (sobretudo masculinas),
que nos permitirão, ainda que vagamente, abordar aspetos da vida económica dos
nossos antepassados. Vamos, pois, tentar enquadrá-las e procurar apreender o como e o de que viviam nesses tempos recuados.
Os
historiadores costumam alertar para as consequências e condicionalismos
impostos pelas Invasões Francesas. Sabemos que enquanto durou a chamada Guerra Peninsular as regiões de Abrantes
e de Tomar foram duramente castigadas e penalizadas. Se do lado de Tomar
estiveram, normalmente, os Franceses, do lado de Abrantes estiveram os
Franceses (até 17 de Agosto de 1808) e, pouco depois os Ingleses. As
escaramuças e a rapina de um lado e do outro do Rio Zêzere eram frequentes e
estão documentadas em abundante bibliografia. Isto desarticulou as rudimentares
produções pecuárias e agrícolas da época e da região, e foi agravado pela
circunstância de os homens serem forçados à prestação de serviço militar por
períodos que podiam chegar aos oito anos. Segundo os elementos colhidos, em
finais do século XIX, 7 em cada 10 portugueses viviam do campo e para o campo. O país era essencialmente rural e
agrícola.
De
facto, nos registos predominam profissões
e ocupações ligadas à terra, e muitas
vezes a mesma pessoa desenvolvia atividades variadas ao longo do dia e do ano.
Exemplificando: era possível ser-se jornaleiro
durante a Primavera e cesteiro
durante o Inverno; ou, então, ferrador
de manhã e sapateiro à tarde,
sendo-se ainda pastor ou barbeiro, repartindo o tempo. O termo trabalhador
aparece frequentemente e teria um conceito bastante abrangente, parecendo-nos
que muitos procurariam sobretudo subsistir ou sobreviver, dedicando-se a uma
multiplicidade de tarefas ou ocupações que geralmente não nos aparecem
individualizadas, mas que seriam de inegável importância no tecido económico e
social da época.
Não
poderemos quantificar as ocupações, devido á escassez de dados, e porque os
nomes não são indicados com exatidão nos diversos registos e se confundem.
Embora
não respeitando sempre a residentes nos lugares da aldeia (muitos foram apenas
padrinhos), teremos as seguintes atividades:
7.1. Atividades Masculinas:
-
2º Sargento da Guarda-fiscal:
trata-se de Guilherme Henriques. Foi padrinho pelo menos 6 vezes, em vários
lugares da freguesia, pelo que seria pessoa com importância.
- Alfaiate:
encontramos diversos. Não havia pronto-a-vestir,
por isso comprava-se o tecido e a roupa era confecionada por medida.
- Barbeiro:
José Lopes Ferreira foi padrinho de uma criança da Cabeça Gorda em 8.03.1899.
Parece-nos que esta atividade não seria desenvolvida a tempo completo. Num meio
rural, e há cem anos, os homens mandariam fazer
a barba uma ou duas vezes por semana, possivelmente depois da jornada de
trabalho ou ao fim da semana.
- Boticário:
encontramos um: Álvaro Ignácio de Mattos. Foi padrinho de uma criança da Aldeia
do Mato, batizada em 3.10.1878. Era irmão de Pedro Ignácio de Mattos.
- Carpinteiro:
encontramos diversos.
- Cingeleiro:
aparecem-nos alguns registos desta profissão
hoje desaparecida. Uma cingela era
uma junta de bois, e o cingeleiro
seria o que a possuía ou com ela trabalhava.
- Cocheiro:
aparece um caso. Trata-se de João Francisco Pimpão, padrinho de uma criança da
Medroa em 7.02.1906. Sem qualquer compromisso de rigor histórico, lembraremos a
circunstância de ali haver um lugar chamado estalagem.
Esta designação, combinada com o traçado das antigas vias de comunicação,
deixa-nos admitir que ali tenham existido pessoas ligadas a este tipo de
estabelecimentos e aos transportes de tração animal.
- Comerciante:
encontramos muitos. Seria uma atividade
desdobrada em várias que não encontramos individualizadas: vendedor de
mercearias, de artigos domésticos, de utensílios de barro, de ferragens, de
tecidos, etc. Convém lembrar que, grosso
modo, e de uma forma rudimentar, as antigas lojas das aldeias teriam sido
as antepassadas dos modernos supermercados. Nelas vendia-se quase tudo!
- Criado de Servir:
há registo do batizado de um menino da Aldeia do Mato, em 21.11.1908, em que o
padrinho José Pedro seria Criado de
Servir. O menino chamou-se José, e era filho de Francisco Oliveira
Tanqueiro (de Constância) e de Guilhermina Conceição de Matos (esta, filha do
já referido Pedro Ignácio de Mattos e de Maria da Conceição).
- Empregado da Câmara de Lisboa:
este curioso registo refere-se a Inácio Luís, do concelho de Aljustrel,
distrito de Beja. Casado com Joaquina Maria, foi pai de uma criança nascida em
1.11.1900, na Aldeia do Mato.
- Estudante:
aparece um registo, que se refere a Zeferino Lopes dos Santos, da Amoreira.
Padrinho de uma menina da Cabeça Gorda, batizada em 29.05.1901.
- Feitor:
aparece apenas um. Chamou-se Pedro de Matos. Foi padrinho em 23.09.1906, onde a
Criada de Servir Maria Clementina foi
madrinha.
- Ferrador:
encontramos diversos, e isto poderá atestar da utilização dos animais como
auxiliares do homem, no trabalho e nos transportes.
- Ferreiro:
também encontramos vários, pois os utensílios domésticos e de trabalho eram
feitos manualmente. Lembramos, por exemplo, que Francisco Pedro (o Maneiras), da Carreira do Mato, teria
executado o portão do cemitério da Aldeia do Mato, em 1913.
- Fiscal:
há um registo. Refere-se a José António Ribeiro, padrinho de um menino da
Carreira do Mato, em 3.05.1896.
- Lente em Coimbra:
há um registo, que se refere a Raimundo da Silva Mota. médico abrantino, professor em Coimbra. Deu o nome ao afilhado da Aldeia do Mato, batizado em
8.09.1878.
- Marítimo:
Há um registo referente a Henrique Bento, de Rio de Moinhos, que foi padrinho
de uma menina da Cabeça Gorda em 18.06.1905. Lembramos que os homens que
trabalhavam no rio Tejo eram normalmente conhecidos por marítimos. A bonita vila de Constância ainda hoje apresenta sinais
desses tempos.
- Moleiro:
são muitos os registos desta profissão. A produção e a moagem de cereais
(sobretudo o milho) eram vitais para os nossos antepassados. Os cursos de água
eram aproveitados para mover engenhos de moagem, de que ainda hoje encontramos
restos.
- Negociante:
são muitos os registos. Tal como para os comerciantes,
a atividade seria muito abrangente. Atrevemo-nos a imaginar, por exemplo, negociantes de madeira, já que esta era
uma das grandes riquezas da região.
- Padeiro:
encontramos apenas um. Chamava-se António Pires dos Santos e poderia viver na
Aldeia do Mato, onde foi padrinho de uma menina em 4.02.1903. Não há que
estranhar tanto moleiro e só um padeiro. O pão era cozido em casa!
- Padre: o Padre Henrique Oliveira Neves foi padrinho
de várias crianças. Nos registos é referido como Padre, Pároco ou Vigário. Sabemos que exerceu o seu
ministério também nas Mouriscas. Os seus afilhados do sexo masculino tiveram o
nome do padrinho, e porventura muitos Henrique
da nossa terra colherão aqui a origem do seu nome.
Também o Padre Manuel Lopes Alpalhão aparece
algumas vezes como padrinho.
- Pastor:
encontramos muitos registos de pastores. Não admira, porque estamos num meio
puramente rural, e numa época em que a pastorícia seria importante atividade
económica. Muitas terras que hoje têm pinheiros e eucaliptos tiveram outrora
verdejantes campos de erva e de oliveiras. Quase todos podemos ouvir, ainda
hoje, histórias de antigos pastores ou guardadores de rebanhos...
- Pedreiro:
são muitos os registos encontrados. São indícios de muita da mão-de-obra que
há-de ir um dia para a construção civil e para as obras públicas, no domínio do
chamado Estado Novo...
- Professor Oficial:
há um registo. Refere-se a António Branco, exercendo não se sabe onde. Deu o
nome ao afilhado batizado em 22.03.1883, na Aldeia do Mato.
- Proprietário:
são muitos os registos. O tamanho da propriedade dominante não seria grande,
mas possuir terra, olival ou pinhal eram sinónimos de bem viver e até de
estatuto social importante.
- Sapateiro:
encontramos muitos. Como a roupa, o calçado era feito por medida.
- Serrador:
eram muitos, o que se explicará pelo predomínio dos pinheiros.
- Taberneiro:
encontramos três:
. João Gonçalves Braz, na Aldeia do Mato;
. João Silva Fernandes, na Carreira do Mato;
. Martinho Francisco Ferromau, na Medroa.
Há historiadores que situam em 1870 o aparecimento
e o desenvolvimento das tabernas, nos meios rurais.
- Trabalhador:
é termo frequente. Talvez que a palavra possa abranger a maior parte da
mão-de-obra dos nossos antepassados que trabalhavam no campo ou no pinhal, por
conta de outrem.
7.2. Atividades femininas.
Muitas
vezes se tem esquecido e secundarizado o importante papel da mulher na
sociedade. Com efeito, para além das tarefas domésticas que por tradição lhe
eram acometidas, as mulheres foram importante força de trabalho e contributo decisivo
para as economias das famílias e das sociedades. Nas nossas aldeias,
trabalhavam a terra, transportavam à cabeça madeira cortada nos pinhais e
desenvolviam uma série de atividades consideradas femininas: eram tecedeiras, costureiras, bordadeiras, e até jornaleiras. São escassos os registos
relativos a tais atividades, mas ainda encontramos os seguintes:
- Criada de Servir:
são dois os registos encontrados. Referem-se a Ana Rosa de Oliveira e a Maria
Clementina. Aparentemente, viveriam na Aldeia do Mato.
- Costureira:
encontramos três registos com esta indicação.
-
"Sem ocupação": são dois
os registos que contêm esta curiosa anotação. Um deles refere-se a uma mãe
solteira.
Para
além de um rol de recordações, este capítulo será a fixação de aspetos da vida
dos nossos antepassados entre 1860 e 1911 (inclusive), no mínimo curiosos.
Convirá
reter que nos primeiros anos dos registos estas referências são raras,
tornando-se mais frequentes à medida que se avança nos anos. E uma vez mais é
inegável o carácter rural da aldeia, já que as profissões mais diferenciadas
respeitam, em geral, a pessoas que vinham de fora, para apadrinhar crianças.
Associando
estes factos às taxas de mortalidade oportunamente indicadas, à existência de
pedintes e de expostos, talvez possamos inferir que muitas vezes se travava uma
luta dura pela subsistência!
(continua)
Manuel Paula Maça
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