ALDEIA DO MATO ABRANTES - REGISTOS PAROQUIAIS 1860-1911 - 10
ALDEIA DO MATO 1860 A 1911
(UM ESTUDO DOS REGISTOS PAROQUIAIS)
(Continuação)
10
Breve Resumos de Dados
BREVE RESUMO DE DADOS
Os capítulos anteriores refletem dados que, de um ponto de vista demográfico e sociológico, serão a caracterização possível da freguesia da Aldeia do Mato, no período de 1860 a 1911 (inclusive).
Começámos, ainda, nos tempos da monarquia e acabámos pouco mais de um ano depois da implantação da república, mas este acontecimento marcante da nossa história pouco terá influenciado a vida dos nossos conterrâneos de então. Qualquer mudança significativa teria sido sobretudo determinada pela marcha lenta e natural das coisas, que primeiro chegavam às cidades e só muito depois aos recônditos meios rurais. A pacatez da vida destas gentes somente terá sido abalada - e duramente, sem dúvida - no período das Invasões Francesas, justamente a partir de Novembro de 1807 (Junot dormiu Vamos, pois, a um breve resumo daquilo que de mais importante apuramos, procurando estabelecer relação com valores oficiais ou com estudos publicados:
10.1. Natalidade
Encontramos 1214 assentos de batizado, mas não é de estranhar que o número de nascimentos possa ter sido algo superior. Na época eram frequentes nascimentos que escapavam aos registos, e era elevado o número de crianças que morriam antes ou durante o parto. Se considerarmos que neste período se encontram registados 333 casamentos, encontraremos uma média (que vale o que vale) de 3,65 crianças por casal. O exercício de amostragem que fizemos também dá credibilidade a este número: se encontrámos um record de 13 filhos, também encontrámos muitos casais com nenhum, com um ou com dois, sendo frequentes 6, 7 ou 8.
Não deveremos esquecer as crianças nascidas fora do casamento (filhos naturais e ilegítimos), mas parece-nos que não alterariam significativamente os resultados apurados, até porque muitas vezes o casamento vinha posteriormente.
Uma das nossas fontes (1) diz que "15,8% de todas as crianças batizadas em 1860 eram filhos naturais e expostos", mas sabemos que os expostos que aportavam às nossas aldeias (sobretudo à Cabeça Gorda) já vinham batizados, muitos deles em Abrantes.
A idade do casal aquando do nascimento do 1º filho também nos mereceu atenção. Em média seriam 30 anos para o pai e 28 para a mãe. As exceções confirmariam a regra, e a jovem da Aldeia do Mato que teve o 1º filho aos 17 anos é um exemplo.
10.2. Nupcialidade
Relativamente ao casamento, apuramos que os homens casavam entre os 29 e os 31 anos.Em geral a mulher era mais nova, em regra dois anos. Mas encontram-se casos em que a diferença é maior, ou em que o homem é mais novo que a mulher.
Há historiadores (1) que admitem que nesta época a idade média do casamento seria de 27-28 anos para os homens e 25-26 para as mulheres, embora variando de acordo com o extrato social, com as zonas do país e com as profissões ou ocupações. Também encontrámos um estudo algo recente (2) relativo a uma zona rural do Alto Minho onde se apontam as idades médias do casamento em 30,47 anos para os homens e 29,32 para as mulheres, no ano de 1860. Parece-nos que, no essencial, isto não se afasta das conclusões a que chegámos.
Hoje não deixaria de ter alguma graça a ideia deixada pelo nosso Rei D. Duarte, segundo a qual, para as raparigas, os 14 anos eram a idade ideal para casar... (3), mas se calhar o monarca só pensava nas raparigas de classes nobres.
10.3. Mortalidade
É falso que antigamente se vivesse mais tempo. A ausência de cuidados médicos, a promiscuidade das habitações, a alimentação e a higiene deficientes matavam inexoravelmente até aos 10 anos... e mesmo daí Os dados apurados são, em resumo, os seguintes:
. Mortalidade Infantil: este conceito técnico abrange a faixa etária que vai até 1 ano de idade, e, grosso modo, traduz a relação entre as crianças que morrem e as que nascem. Atualmente este valor, a nível nacional, situa-se em 2,9 por mil, mas no período estudado foi de 18,4%. Se alargarmos esta faixa etária até aos 10 anos, a mortalidade passa a 30,8% (sim, 30,8 por cento!). São números assustadores, que dispensam comentários.
. Mortalidade na Idade Adulta: embora se morresse em todas as idades, os resistentes morreram maioritariamente entre os 70 e os 90 anos, a maior parte a ultrapassar os 80 (106 casos entre os 70 e os 80, e 107 entre os 80 e os 90). Mas atenção aos que já tinham ficado pelo caminho!
As causas da morte eram sobretudo a doença: cólera, tifo, febre-amarela, varíola, tuberculose, algumas formas de paludismo (as sezões) e toda uma série de doenças desconhecidas ou não diagnosticadas, que, como tal, eram englobadas nas chamadas doenças gerais, e às vezes designadas de forma popular por peste, pestença ou pestilência, ou “um ar que lhe deu”. No caso das mulheres, vale a pena recordar que muitas morriam com problemas decorrentes da gravidez e do parto, e os nossos registos também mostram que assim seria.
10.4. Os Expostos ou Enjeitados
Muitas crianças expostas (ou enjeitadas) vieram para a nossa freguesia, sobretudo para a Cabeça Gorda. Não constam dos registos de Assentos porque já vinham batizadas, normalmente com nomes de Santos, Apóstolos e figuras bíblicas. Contudo, no registo dos óbitos ocorridos durante estes 52 anos ainda encontramos 44 expostos, dos quais 26 (59%) morreram antes dos 12 anos. A exposição era uma prática corrente, e "...não há dúvida, uma das nossas chagas, a maior de todas as que temos", como escrevia um autor do século passado (4).
10.5. Longevidade
Trabalhando os 744 óbitos registados em termos de média aritmética, constatamos uma longevidade de 41,95 anos. Isto significa que nascer no período em análise equivaleria a uma esperança média de vida de 41,95 anos. Alguns historiadores sugerem que a vida média no tempo de Jesus Cristo seria de cerca de 20 anos, sendo 22 anos no tempo dos Gregos e dos Romanos, podendo ter ultrapassado ligeiramente os 30 anos na época de Carlos Magno, até cerca de 1300. Em 1900 atingiria 45 anos nos Estados Unidos da América (5). Mas estes números carecem de muita cautela, pois bastariam uma guerra ou uma epidemia para dizimar uma população, sem esquecer que os registos seriam deficientes.
Segundo dados de 2013, a esperança média de vida á nascença é de 79,78 anos, sendo 76,67 e 82,59, para o homem e para a mulher, respetivamente.
10.6. Antroponímia
Como escrevemos anteriormente, os nomes dos nossos antepassados eram vulgares. Em 73% dos casos o primeiro vocábulo do nome próprio era o do padrinho ou o da madrinha. Assim:. Nomes Femininos: em 587 mulheres (258 Marias, 32 Anas, 26 Guilherminas, etc.), 70 diferentes nomes foram utilizados.
. Nomes Masculinos: em 627 homens (142 Josés, 134 Antónios, 111 João, etc.), 49 diferentes nomes foram utilizados.
10.7. Profissões
Poderíamos falar em economia, mas o termo não nos parece apropriado face à escassez dos registos disponíveis e por nos parecer que se vivia sobretudo da agricultura, da floresta e da pastorícia. Encontramos muitas referências a atividades masculinas, e recordaremos: trabalhadores, (possivelmente seriam jornaleiros), serradores, ferradores, ferreiros, pastores, carpinteiros, pedreiros, alfaiates, sapateiros, moleiros, cingeleiros, comerciantes, negociantes e proprietários. Recorde-se que encontramos 3 taberneiros, 1 padeiro, 1 barbeiro e até 1 cocheiro.
Quanto a atividades femininas, (embora se saiba que as mulheres trabalhavam muitas vezes desde a infância), temos apenas vagas referências a jornaleiras, criadas de servir, domésticas, costureiras e sem ocupação.
10.8. A População da Freguesia
Atrevemo-nos a avaliar, por cima, 1.200 habitantes (crianças e adultos) para a totalidade da freguesia de Aldeia do Mato por volta de 1912, conjugando os 333 casamentos, os 744 óbitos e os 1214 nascimentos.
Num documento do século passado (6), já referenciado, é atribuída à Aldeia do Mato uma população de 399 Varões e 438 Fêmeas, o que totaliza 837 pessoas. O país teria cerca de 5 milhões de habitantes no princípio do século XX.
10.9. Que Conclusões?
O desenvolvimento que neste capítulo aparece resumido nos seus aspetos essenciais permitirá concluir que as condições de vida das nossas gentes eram extremamente difíceis. Sabemos que economia, alimentação, higiene, saúde, meio ambiente e outros fatores se cruzam e se determinam mutuamente, na eterna relação causa-efeito. As terras da Aldeia do Mato estiveram, até bastante tarde, integradas no Almoxarifado da Amieira, nos domínios do Grão Priorado do Crato, da Ordem de Malta, com sede no Convento da Flor da Rosa.
A povoação começa a ser referida pelo século XVI, mas terá sido habitada muito antes. Em 1758, nas Memórias Paroquiais do Padre Luís Cardoso, é vincada a sua componente agrícola e florestal, com alguns indícios de atividade piscatória no Rio Zêzere, outrora partilhado pela Ordem de Cristo e pelos Crúzios (Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, senhores de Martinchel).
Ao longo dos anos não nos apercebemos de qualquer atividade geradora de postos de trabalho regulares, até porque a própria localização geográfica e as deficientes vias de comunicação (fortemente delimitadas pelo rio), também não lhe seriam favoráveis. Haveria muita mão-de-obra disponível, mas não muito onde aplicá-la, e a verdade é que bem cedo nos apercebemos dos movimentos migratórias, em termos de saídas. Homens e mulheres iam para a agricultura no Ribatejo e - porventura - para o Alto Alentejo. Com o advento da industrialização os homens terão começado a sair para Lisboa, e mais tarde para o estrangeiro. Começaram a ir famílias inteiras, tendo-se chegado à situação que hoje conhecemos e que não virá a propósito analisar aqui.
Importará, contudo, reter que sendo o país essencialmente florestal e agrícola, o tamanho da propriedade e aquilo que se produzia variava muito de Norte a Sul e do interior para o litoral. Por tais razões, uma vez mais as comparações a estabelecer e as conclusões a retirar deverão ser cautelosas e ponderadas.
Alguns autores referem-se a este período como sendo "de miséria", e se a palavra é pesada e chocante, os dados obtidos parecem conferir-lhe propriedade. É certo que a qualidade de vida também passa por valores culturais e afetivos, mas estes pertencem à interioridade de cada um, não são quantificáveis e aqui não passariam de figura de retórica. Concluiremos, pois, que os nossos antepassados partilhavam no mínimo da pobreza generalizada apontada para os meios rurais no nosso país. Os dados obtidos não são, pois, divergentes do que em geral se encontra escrito sobre os temas abordados.
Nascimentos, Casamentos e Óbitos por Lugares
LUGAR NASCIMENTOS CASAMENTOS ÓBITOS
Abrantes 4 0 0
Aldeia do Mato 165 41 87Alverangel 0 1 0
Amoreira 0 1 0
Arroteia 2 0 2
Bairros 98 16 25
Belmonte 0 0 1
Cabeça Gorda 281 88 245
Carreira do Mato 390 98 212
Casais 100 28 64
Casinha 0 1 0
Figueiras 1 0 0
Fontainhas 0 0 2
Martinchel 0 5 0
Medroa 147 42 99
Rio de Moinhos 0 3 0
Souto 0 1 0
Vale de Chões 14 1 4
Vale Redondo 8 2 1
Vale Salgueiro 2 0 0
Vales 1 0 1
Várzea da Portela 1 0 0
? 0 5 1
TOTAL 1214 333 744
De uma breve leitura do quadro ressalta a particularidade de a Cabeça Gorda deter o maior número de óbitos registados: 245 = 32,93% do total, o que determina um baixo saldo fisiológico.
Sendo este o 2º maior lugar da freguesia, esta constatação é notória e curiosa. De facto, a média de vida aqui era inferior à do resto da freguesia (gráfico acima).
Distribuição por anos (7)
ANO NASCIMENTOS BAPTIZADOS CASAMENTOS ÓBITOS
1860 19 18 7 10
1861 33 (34) 34 9 (9) 12 (12)1862 16 (15) 15 6 (6) 11 (8)
1863 20 (21) 21 4 (4) 24 (24)
1864 28 (28) 29 5 (5) 33 (33)
1865 8 (8) 8 7 (7) 12 (11)
1866 25 (25) 25 2 (2) 14 (15)
1867 18 (15) 17 9 (3) 9 (20)
1868 21 (17) 20 4 (9) 20 (9)
1869 10 11 4 25
1870 17 17 7 15
1871 21 19 3 5
1872 24 24 2 8
1873 16 17 4 8
1874 14 14 3 12
1875 17 17 7 15
1876 16 15 7 9
1877 19 19 8 12
1878 23 23 3 15
1879 15 15 6 9
1880 15 15 5 19
1881 14 15 3 14
1882 22 21 4 15
1883 21 20 7 10
1884 16 17 4 17
1885 21 20 4 13
1886 18 19 7 11
1887 27 27 12 9
1888 25 25 8 13
1889 19 19 9 8
1890 18 18 5 17
1891 27 28 6 17
1892 25 21 8 5
1893 23 27 13 10
1894 20 19 7 18
1895 31 28 7 7
1896 27 24 6 8
1897 32 34 7 11
1898 31 32 6 13
1899 32 32 10 26
1900 30 30 8 18
1901 33 32 9 14
1902 38 38 6 11
1903 27 30 3 21
1904 32 29 11 15
1905 31 32 7 12
1906 36 33 6 29
1907 27 25 9 9
1908 32 34 6 21
1909 21 20 9 13
1910 30 36 8 17
1911 33 34 6 25
? 0 2 0 0
TOTAIS 1214 1214 333 744
(1) História de Portugal, José Mattoso, V Volume.
(2) Filhos de Adão, Filhas de Eva, João de Pina Cabral, Publicações D. Quixote, 1989.(3) A Sociedade Medieval Portuguesa, A. H. de Oliveira Marques, Livraria Sá da Costa, Editora, 5ª Edição, 1987.
(4) Estatística do Districto Administrativo de Leiria, D. António da Costa de Souza e Macedo, Tipografia Leiriense, 1855.
(5) História da Saúde e dos Serviços de Saúde em Portugal, Prof. Dr. F. A. Gonçalves Ferreira, Fundação Calouste Gulbenkian, 1990.
(6) Dicionário Chorográphico de Portugal e Ilhas Adjacentes, E. A. Bettencourt, 3º Edição, Lisboa, 1885.
(7) Os números em negrito e entre parêntesis são os que encontramos na Memória Histórica da Notável Vila de Abrantes, já anteriormente referenciada. As diferenças poderão corresponder a registos eventualmente transportados para anos anteriores ou posteriores.
(continua)
Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.comEtiquetas: Aldeia do Mato Abrantes 52 Anos de Registos Paroquiais - 10
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