Ao meu amigo João Pico, que também gostava de pêssegos
Ao meu amigo João Pico, que também gostava de pêssegos.
Ainda que com treino e hábitos na escrita, um principiante nestas andanças dos “blogs” tem as suas dificuldades, experimenta dúvidas e hesitações.
A amabilidade do meu amigo João Pico, no espaço onde desejo reconstituir e abordar temas relacionados com a bonita mas pobre terra onde nasci (a Carreira do Mato, igual a muitas terras neste Portugal de grandezas ilusórias, muitas vezes com versão actualizada), leva-me a passar para aqui o essencial do texto que lhe dirigi neste espaço. Como ele lida bem com estas coisas, que lhe dê visibilidade, se quiser.
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Lá vai, há muito, o dia 17 de Julho de 1972, em que aportamos ao chamado Destacamento da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, como muito bem recordaste a este aprendiz de blogs (lá irei), a propósito do meu texto sobre a Carreira do Mato (O Ramo de Palmeira), de algum modo dedicado à minha mãe.
Falham-me os pormenores do nosso primeiro encontro, que agora me reavivas, com um saudável e amável bom humor. Excelente memória, concedo!
Achas, então, que na altura é que eu havia de ser candidato, a julgar pelas cartas que escrevia e recebia, por vezes coloridas e a dar nas vistas! Pois é, o Gabriel Garcia Marquez também tinha razão ao escrever: “há verdades que, quando as descobrimos, já não valem de nada”. Foi o que me aconteceu.
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Para além da idade, tínhamos em comum as origens no norte do concelho de Abrantes: eu, na Carreira do Mato; o João, no Souto (terra de meu pai). Tínhamos ido viver para Lisboa, também: ele em criança, eu com 11 frescos anos: o João Pico foi para Benfica e eu para a Rua António Pedro, ali perto da Praça do Chile. De resto, os nossos pais subiram uma vida a pulso e a esse esforço deveremos muito de alguma qualidade de vida, se esta acabou por vir. Recordo que meu saudoso pai, o Zé Carolino, pagou 500$00 por um diploma falso da 4ª classe, para poder ter carta de condução. Os pais não o deixaram ir à escola, mas ele foi autodidacta e leu regularmente o Diário de Notícias quase até nos deixar, a 8 de Agosto de 1991, com 65 anos.
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Esse Verão de 1972 foi coisa dura e sem tréguas. O Fiat 1500 ou os Datsun 2200 Diesel (o meu pai também tinha um) varriam tudo o que era concelho de Abrantes, de Norte a Sul, o mesmo é dizer de Alvega para a Cabeça Gorda ou para o Souto, ou das Mouriscas para Martinchel. Quantas vezes não saímos dos bailes das festas de Verão alta madrugada, para ir fugidiamente ao quarto vestir a farda e abalar para Santarém, para correr e marcar passo ao rufar de um tambor operado por um soldado de cabeça rapada!
Recordo, às vezes um homem com um saco na mão (um trabalhador rural com a comida para almoço?) a saltar assustado na berma da estrada, a pôr-se a salvo, enquanto o carro descrevia a curva em chiadeira. Santarém adivinhava-se no alto, o dia estaria prestes a romper, e às 6 e 30 havia que estar à porta do quartel.
Imensas são as recordações, João, e até já me tinha esquecido dessa fruta suculenta da Amoreira, ou seja, dos pêssegos que faziam luzir os olhos e estimulavam as papilas gustativas (vê lá a ironia: há bocado fui comprar uma ferramenta para abrir latas de fruta em conserva!!!).
Da vida militar retenho estas excelentes recordações: as amizades, os convívios. Depois da recruta, o João foi para o Porto e eu para Tavira. Tavira não me deixou saudades, apesar de ter sido um dos melhores classificados da especialidade de Sapador de Infantaria. Durante muitos anos recusei-me a ir lá, e há coisas que não vale a pena tentar racionalizar. Teria sido por causa da morte do Sousa e do Freitas, em Moçambique, pouco depois? Volvidos anos, acabei por lá voltar.
Quanto ao exercício militar, que me desculpem alguns bons amigos que seguiram a carreira, mas não a aconselho ao meu filho, em vias de ser mancebo. Não fiquei convencido.
Mas lá vinham os fins-de-semana ou umas curtas licenças. Lá continuava o nosso corrupio, às vezes repartido entre Lisboa e Abrantes.
Seria disparate que questões partidárias separassem amigos, quando valores superiores, quiçá coincidentes, os unem.
E a cerveja que bebemos em 1974, numa esplanada do Algarve, à beira-mar, perto de Lagos, na companhia de duas simpáticas inglesas? Mais uma vez Gabriel Garcia Marquez teria razão (volta atrás, no texto).
Não faz mal recordar que eram 39 meses de serviço militar. Ficamos pelos 30, devido ao 25 de Abril de 1974.
Manuel Paula Maça
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