FERRO ALVES, UM HOMEM DO NORTE DO CONCELHO DE ABRANTES
Villa Alves Passarinho, Aldeia do Mato
Introdução
Os tempos saudosos da infância e da adolescência aportam-me regularmente à memória, com episódios, cenas, relatos e histórias (estórias?) que passaram e que hoje não são de fácil reconstituição, já que muitos dos protagonistas e atores deixaram inexoravelmente o palco da vida.
Em situações difíceis ou
embaraçosas as pessoas recorriam ao senhor Ferro Alves, a quem pediam para
interceder e ajudar, fosse para arranjar um posto de trabalho, para aligeirar
um processo judicial ou para escapar ao serviço militar. A ti Rosairita, da Carreira do Mato, bateu-lhe à porta quando um dos
filhos estava a braços com a justiça. Consta que recebia e acolhia bem os
conterrâneos que o procuravam: em Carvalhal, na Aldeia do Mato ou na Rua
Rodrigo da Fonseca, em Lisboa.
De um modo simplista,
constava que era pessoa influente, que era político.
A minha avó até dizia que ele tinha andado escondido em covas de bagaço, para
fugir à guarda – explicação vaga e atabalhoada para uma criança, já que estas
coisas não pareciam combinar lá muito bem. Isto, num espaço geográfico entre as
freguesias do Souto (Carvalhal) e da Aldeia do Mato, que é onde a terra se acaba e o rio começa.
Na aldeia dizia-se que
Ferro Alves era conselheiro de Salazar, mas não encontramos escrito nada que
permita sustentar tal afirmação, e o bom senso recomendará prudência em relação
ao que alguma tradição oral atribui ao homem que se referiu ao “lívido e cruel Salazar”, em artigo
demolidor publicado na década de 1930, no Jornal
da Madeira. Conheceu as prisões, como opositor ao Estado Novo (a Salazar);
foi deportado para os Açores, em Julho de 1930; conheceu o exílio em Espanha e
em França... Casou, aliás, em França, na cidade de Marselha, o que explica
porque se falava de madame Ferro Alves, na Aldeia do Mato. A senhora
chamava-se, de facto, Marie Rossett.
Porque vem a propósito,
recordo que o nosso taxista Manuel Inácio Barquinha (meu saudoso padrinho e amigo) deixou
vários registos do transporte de madame Ferro Alves da Aldeia do Mato para a
Figueira da Foz (550$00, em Outubro de 1963, por exemplo). Também encontramos
registados transportes da Dona Dores – a mãe de Leonel, parece-nos – para a
Figueira da Foz, a quem cobrava menos 50$00, por respeito e gentileza, tenho a
certeza. Sabemos que o casal Ferro Alves tinha ligações a esta cidade, onde um
filho lecionava. De facto, Maria das Dores Ferro (a Dona Dores) sobreviveu à
morte do filho Leonel.
Ainda assim, as coisas não
são simples, pois a história cedo o esqueceu ou deixou de registar, com alguns
historiadores a admitirem que ele se tivesse tornado – isso sim – espião do governo de Salazar (1),
sobretudo (mas não apenas) por causa da intriga em torno de uma operação de
contrabando de armas, no período da II república espanhola, que dá o mote ao
seu livro “Os Budas”. Mas enfim, à data (1935) Leonel das Dores Ferro Alves é
um jovem de 31 anos, senhor de uma escrita com linguagem rica e fluente, não
raro a rasar a expressão poética, por onde também perpassam claramente ódios de
estimação, figadais em relação a
Jaime Cortesão, entre outros. É, porventura, mais um revoltado que um idealista.
Diz bem de si próprio e das suas ideias, diminuindo ou criticando os outros,
sem deixar claras ou percetíveis as suas razões ou os seus ideais, com textos
globalmente confusos, imprecisos e sem fio condutor. Porém, a intriga e o
divisionismo imperaram na I Primeira República e na oposição ao Estado Novo,
dificultando sucessivamente a eficácia do combate político.
O esforço posto na busca
de informações - envolvendo deslocações, contactos, obtenção de documentação e
bibliografia - não foi fácil nem barato. Este apontamento poderá, então, ser um
contributo para um trabalho mais alargado que fica por fazer e a que outros
poderão dar continuidade.
Fica Leonel das Dores
Ferro Alves, um homem do norte do concelho de Abrantes, que foi jornalista e
advogado e que recebia bem os conterrâneos. Partiu numa manhã de inverno,
em Lisboa, aos 58 anos. Passaram cinquenta anos em 8 de Janeiro de 2013. Foi
sepultado no cemitério do Alto de São João.
Recorte de Assento de Baptismo
Jardim Maria das Dores, Aldeia do Mato(1) Heloisa Paulo, em «O exílio português no Brasil: Os “Budas” e a oposição antissalazarista»
Etiquetas: Aldeia do Mato, Carvalhal, Ferro Alves, Souto
<< Página inicial