terça-feira, 18 de junho de 2013

FERRO ALVES, UM HOMEM DO NORTE DO CONCELHO DE ABRANTES


















                  



(continuação)

Elementos biográficos
         

“Revivi com melancolia os verdes pinhais da minha terra, buliçosos e fragrantes”.

Assim se exprimiu Leonel das Dores Ferro Alves em 1935, no seu livro “A Mornaça”, ao recordar a chegada a Monte Brasil, Ilha Terceira, em 24 de Julho de 1930, a bordo do paquete Luanda, na condição de deportado.
As terras açorianas seguiam-se à cadeia do Aljube. "As prisões de Lisboa eram-me conhecidas nos seus mais mínimos detalhes” – explica, também, nesse livro.

Mas lá iremos, mais adiante. Agora vamos às referências biográficas disponíveis.

Nome: Leonel das Dores Ferro Alves.
Naturalidade: lugar de Carvalhal, freguesia de Souto, concelho de Abrantes.
Data de nascimento: 2 de Fevereiro de 1904.
Pai: Manuel Alves Passarinho, professor do ensino elementar, de Carvalhal.
Mãe: Maria das Dores Ferro, professora do ensino elementar, de Castelo Branco.
Avô paterno: Manuel Alves Passarinho.
Avó paterna: Justina de Jesus.
Avô materno: António Manuel Ferro.
Avó materna: Joaquina Anunciação Ferro.
Batizado em: 15 de Agosto de 1904, na igreja paroquial de São Silvestre do Souto.
Padrinho: Rafael Alves Passarinho, farmacêutico.   
Madrinha: Nossa Senhora da Piedade, com cuja imagem (com a coroa, está escrito) a criança foi tocada por Maria da Nazaré Martins.
Pároco: padre António Alves Pereira.
Casamento: Marselha (França), em 1938, com Marie Rossett. Não temos indicação do dia nem do mês. A esposa adotou os apelidos Ferro Alves.
Óbito: faleceu na sua casa em Lisboa, na Rua Rodrigo da Fonseca, em 8 de Janeiro de 1963. A morte terá sido provocada por infarto de miocárdio. Sepultado no cemitério do Alto de São João, segundo o registo de óbito.
À data, o pai já era falecido mas a mãe (A Dona Dores) ainda vivia, supomos que na casa da Aldeia do Mato, a “Vila Alves Passarinho”.
Ainda segundo o registo de óbito, a sua profissão era advogado.

Em complemento dos elementos deixados, ficam breves referências familiares:

Rafael Alves Passarinho
Assim se chamava o padrinho de batizado de Leonel, como vimos. Tudo indica que seria seu tio, já que filho, também, de Manuel Alves Passarinho e, também, natural de Carvalhal
Estaremos, então, perante o fundador da Farmácia Passarinho, no Sardoal, de cujo historial encontramos preciosa e bem fundamentada informação em http://www.sardoalmemoria.net/home (Sardoal com memória).
Segundo o Prof. João Rui Pita (1), da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, Rafael Alves Passarinho fez exame de habilitação em 15 de Fevereiro de 1907, tendo sido aprovado plenamente como farmacêutico de 2ª classe, e “mostrado ter oito anos completos de boa prática farmacêutica, a idade legal e os estudos preparatórios exigidos”, de acordo com as exigências da carta de lei de 12 de Agosto de 1854.

Maria das Dores Ferro
É também em Sardoal com Memória que encontramos referência a uma festa de caridade ocorrida em 12 de Maio de 1901, em que é interveniente a Dona Maria das Dores Ferro, declamando o poema “A Lua”. Estamos, provavelmente, perante a futura mãe de Leonel.

Manuel Alves Passarinho
Assim se chamavam o pai e o avô paterno de Leonel. Sabemos que na última década do século XIX o Souto teve um presidente de Junta de Freguesia assim chamado. É algum deles? Fica a dúvida, embora seja pormenor menos relevante para o objetivo do presente trabalho.

Em próximo capítulo abordaremos alguns aspetos da vida e da atividade deste conterrâneo que se destacou no jornalismo e no combate político, e que antes dos 30 anos de idade já conhecia as prisões, a deportação, o exílio… e residência fixa na Aldeia do Mato!

 

Recorte do Assento de Óbito

(continua)

Manuel Paula Maça


 

(1)   A Escola de Farmácia de Coimbra (1902 – 1911), Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010.

 
 

 

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sexta-feira, 7 de junho de 2013

FERRO ALVES, UM HOMEM DO NORTE DO CONCELHO DE ABRANTES

  Villa Alves Passarinho, Aldeia do Mato

Introdução

Os tempos saudosos da infância e da adolescência aportam-me regularmente à memória, com episódios, cenas, relatos e histórias (estórias?) que passaram e que hoje não são de fácil reconstituição, já que muitos dos protagonistas e atores deixaram inexoravelmente o palco da vida.

Em situações difíceis ou embaraçosas as pessoas recorriam ao senhor Ferro Alves, a quem pediam para interceder e ajudar, fosse para arranjar um posto de trabalho, para aligeirar um processo judicial ou para escapar ao serviço militar. A ti Rosairita, da Carreira do Mato, bateu-lhe à porta quando um dos filhos estava a braços com a justiça. Consta que recebia e acolhia bem os conterrâneos que o procuravam: em Carvalhal, na Aldeia do Mato ou na Rua Rodrigo da Fonseca, em Lisboa.

De um modo simplista, constava que era pessoa influente, que era político. A minha avó até dizia que ele tinha andado escondido em covas de bagaço, para fugir à guarda – explicação vaga e atabalhoada para uma criança, já que estas coisas não pareciam combinar lá muito bem. Isto, num espaço geográfico entre as freguesias do Souto (Carvalhal) e da Aldeia do Mato, que é onde a terra se acaba e o rio começa. 

Na aldeia dizia-se que Ferro Alves era conselheiro de Salazar, mas não encontramos escrito nada que permita sustentar tal afirmação, e o bom senso recomendará prudência em relação ao que alguma tradição oral atribui ao homem que se referiu ao “lívido e cruel Salazar”, em artigo demolidor publicado na década de 1930, no Jornal da Madeira. Conheceu as prisões, como opositor ao Estado Novo (a Salazar); foi deportado para os Açores, em Julho de 1930; conheceu o exílio em Espanha e em França... Casou, aliás, em França, na cidade de Marselha, o que explica porque se falava de madame Ferro Alves, na Aldeia do Mato. A senhora chamava-se, de facto, Marie Rossett.

Porque vem a propósito, recordo que o nosso taxista Manuel Inácio Barquinha (meu saudoso padrinho e amigo) deixou vários registos do transporte de madame Ferro Alves da Aldeia do Mato para a Figueira da Foz (550$00, em Outubro de 1963, por exemplo). Também encontramos registados transportes da Dona Dores – a mãe de Leonel, parece-nos – para a Figueira da Foz, a quem cobrava menos 50$00, por respeito e gentileza, tenho a certeza. Sabemos que o casal Ferro Alves tinha ligações a esta cidade, onde um filho lecionava. De facto, Maria das Dores Ferro (a Dona Dores) sobreviveu à morte do filho Leonel.

Ainda assim, as coisas não são simples, pois a história cedo o esqueceu ou deixou de registar, com alguns historiadores a admitirem que ele se tivesse tornado – isso sim – espião do governo de Salazar (1), sobretudo (mas não apenas) por causa da intriga em torno de uma operação de contrabando de armas, no período da II república espanhola, que dá o mote ao seu livro “Os Budas”. Mas enfim, à data (1935) Leonel das Dores Ferro Alves é um jovem de 31 anos, senhor de uma escrita com linguagem rica e fluente, não raro a rasar a expressão poética, por onde também perpassam claramente ódios de estimação, figadais em relação a Jaime Cortesão, entre outros. É, porventura, mais um revoltado que um idealista. Diz bem de si próprio e das suas ideias, diminuindo ou criticando os outros, sem deixar claras ou percetíveis as suas razões ou os seus ideais, com textos globalmente confusos, imprecisos e sem fio condutor. Porém, a intriga e o divisionismo imperaram na I Primeira República e na oposição ao Estado Novo, dificultando sucessivamente a eficácia do combate político.

O esforço posto na busca de informações - envolvendo deslocações, contactos, obtenção de documentação e bibliografia - não foi fácil nem barato. Este apontamento poderá, então, ser um contributo para um trabalho mais alargado que fica por fazer e a que outros poderão dar continuidade.

Fica Leonel das Dores Ferro Alves, um homem do norte do concelho de Abrantes, que foi jornalista e advogado e que recebia bem os conterrâneos. Partiu numa manhã de inverno, em Lisboa, aos 58 anos. Passaram cinquenta anos em 8 de Janeiro de 2013. Foi sepultado no cemitério do Alto de São João.  
 
 Recorte de Assento de Baptismo



                                                                                       Jardim Maria das Dores, Aldeia do Mato

(1)   Heloisa Paulo, em «O exílio português no Brasil: Os “Budas” e a oposição antissalazarista»

(continua)

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com

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