domingo, 30 de novembro de 2008

Carreira do Mato: Ana Paulina faleceu com 115 anos

A comunicação social tem-se referido a uma senhora de Tomar, com 115 anos de idade. Maria de Jesus, de seu nome, passou a figurar no livro de recordes (Guinness Book) como a mulher mais velha do Mundo. Que viva muito mais e com a melhor saúde possível!

Como curiosidade fica uma nota que consta dos registos paroquiais da freguesia de Aldeia do Mato (período de 1860 a Maio de 1911):

. Ana Paulina, viúva de Manuel Francisco Malhadeiras, faleceu a 11 de Abril de 1901, na Carreira do Mato, exactamente com 115 anos!...
Era filha de José Paulino e de Maria Francisca, e mais os registos não dizem.

Nessa já longínqua data, o pároco da freguesia (Aldeia do Mato) era o padre Manuel Lopes Alpalhão. Amavelmente, em tempos a Câmara Eclesiástica de Portalegre, facultou-nos, entre outra, a informação de que foi nomeado “Pároco collado na Igreja de Santa Maria Magdalena de Aldeia do Mato em 2 de Janeiro de 1901”, onde exerceu até 10 de Julho de 1923.

Oportunamente falaremos mais pormenorizadamente deste homem que deixou cópia (manuscrita, naturalmente) dos registos, e que trocou com o Bispo de Portalegre (D. António Moutinho) diversa correspondência, no âmbito das relações conturbadas que se seguiram à implantação da República, mas que, aparentemente, passaram ao lado da paróquia da Aldeia do Mato.


À esquerda: portão do cemitério da Aldeia do Mato, que teria sido executado em 1913 pelo ferreiro Francisco Pedro (O Maneiras, por alcunha), da Carreira do Mato (meu avô materno).
À direita, abaixo: a foto possível do padre Manuel Lopes Alpalhão

Manuel Paula Maça


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domingo, 16 de novembro de 2008

CABEÇA GORDA: O TIO BERNARDINO, COM PENICHE AO FUNDO
O MEU TIO-AVÔ BERNARDINO
Nos tempos da minha infância a história da família ia-se percebendo e construindo devagar, se calhar ao ritmo do crescimento dos pinheiros agarrados às pedras no cimo dos montes ossudos, com as águas tortuosas do Zêzere a serem domadas lá ao fundo, no Castelo do Bode, onde o vale empanturrado se espraiava. As famílias da aldeia eram muito parecidas, se não mesmo iguais, porque muito marcadas por ausências vagamente perceptíveis e de que pouco se falava.
Um dia apareceram lá em casa umas latas de sardinha de conserva, e a minha avó materna explicou-me que tinham sido mandadas pelo tio Bernardino (seu irmão), que morava lá longe, numa terra chamada Peniche. Afinal, esse parente tinha fugido da Cabeça Gorda e desertado por ocasião da primeira guerra mundial. Andando de um lado para o outro, acabara por se fixar em Peniche, tentando e conseguindo escapar aos horrores do teatro de guerra.
Quando se é criança, há coisas que são simples, claras e isentas de grandes atribulações epistemológicas, e, por assim dizer, ficam-nos facilmente (ou saudosamente?) gravadas na memória. Devo, portanto, ter decretado que se as sardinhas eram deliciosas, o tio Bernardino seria boa pessoa, e Peniche uma boa terra. Não me enganei, acho.
Volvida a infância, a vida levou-me para Lisboa, e no princípio não me foi fácil perceber o que trazia para ali, também, os filhos do meu tio-avô Bernardino: o Ferrer, o Florimundo... e até a neta Marlene, na graciosidade de uma adolescência que não estaria isenta das leis que trazem os ventos e as chuvas, pois não são apenas de sol as estações do ano. Por que razão eles, e até o Mário, pareciam voltar as costas a Peniche, onde o mar chegava a entrar nas casas das pessoas, onde havia muito peixe e deliciosas sardinhas de conserva?
Cresci, deste modo, com Peniche ao fundo, nos horizontes da ingenuidade e da imaginação. A adolescência deixou-me na memória uma canção que falava “naquela janela virada p’ro mar”, estranhamente dolente e tristonha, nostálgica e agridoce, por desígnio irónico cantada por Tristão da Silva. Foi por essa altura que comecei a ouvir dizer que em Peniche havia presos políticos, e em breve viria a perceber que muitos pagavam com a prisão e com a tortura a ousadia de pensar, num país e numa sociedade de pessoas e instituições “respeitáveis”, na aparência, mas com laivos de criminosa cumplicidade, envolvida em mantos pretos e vermelhos, no estilo simbólico de Stendhal em “Le Rouge et le Noire”.
Mas Peniche e as suas gentes não tinham culpa de existirem presos políticos, como não lhe cabiam responsabilidades no episódio de “os amigos de Peniche”, reportado aos tempos conturbados de D. António, Prior do Crato.
Mas foi preciso chegar aos dezassete anos para eu ir a essa terra donde, em criança, vinham latas de sardinha, agora já com história e lenda de permeio, ou seja: aos dezassete anos fui a Peniche, para participar no funeral do meu tio-avô Bernardino!
Com o devir do tempo, as reviravoltas da vida e as coisas da história passaram a arrastar-me, de quando em vez, para essa terra onde, afinal, corre sangue que é um pouco como o que me percorre as veias e as artérias. E que saíu da Cabeça Gorda, da Aldeia do Mato!
Encontrei livros sobre Peniche, e assumo falar de uma obra consistente e rica chamada “Peniche na História e na Lenda”, da autoria do Dr. Mariano Calado.


PENICHE NA HISTÓRIA E NA LENDA
Temos, então, pela frente um livro com quase 500 páginas, da autoria do Dr. Mariano Calado, enriquecido por cerca de 260 ilustrações (gravuras, desenhos, mapas, fotografias) e vários índices. É obra!
O desenvolvimento dos temas, as fotografias, as ilustrações, as abundantes e precisas referências históricas e bibliográficas, permitem uma enriquecedora viagem, no tempo e no espaço, sempre longe da superficialidade ou do facilitismo. Se a expressão é consentida, aqui não se navega “à superfície das águas”, pois ricas são as suas profundezas em história e lenda, e a própria noite dos tempos apresenta muitos raios de cintilante claridade.
O autor mergulha, então, na lonjura dos tempos para admitir que os grandes répteis devem ter povoado a região muito antes da presença humana, a lembrar-nos os achados de restos de dinossauros encontrados, entretanto, na Lourinhã, cujo museu aproveitamos já para recomendar.
Percebemos que, morfologicamente, Peniche teria sido uma ilha, formada há cerca de 150 milhões de anos, com registos da presença (ou passagem) do homem pré-histórico, até à fixação de diversas e diferentes comunidades, até à fundação da Nacionalidade, no século XII.
A origem do topónimo tem abordagem interessante e honesta, deixando-nos o autor diversas hipóteses, devidamente analisadas, avaliadas e sopesadas.
Ficamos a saber que, de um modo geral, os monarcas atribuíram ao eixo Peniche-Atouguia um importante interesse estratégico, e desde já fica dito que a própria história de Portugal passou por aqui, em momentos decisivos, desde a conquista de Lisboa, passando pela crise pós 1580, pelas Invasões Francesas, pelas lutas entre Miguelistas e Liberais, até ao papel desempenhado pela prisão, que antes dos presos politicos do Estado Novo chegou a albergar alguns alemães (entre 1916 e 1919, no contexto da I Grande Guerra).
O aparecimento das fábricas de conservas, de congelação e de indústrias afins também merecem tratamento, e porque Peniche é terra de rendas o autor aproveita para lembrar o aforismo “terra de redes, terra de rendas”.
A questão dos caminhos de ferro deixa-nos a ideia que os problemas da Linha de Oeste vêm de longe, pois durante décadas Peniche esperou por um ramal de ligação à localidade de Dagorda, não tendo a decisão oficial de 1926 passado do papel, apesar do bonito projecto da estação, cujo desenho é reproduzido no livro.
Ao falar de Urbanismo e Monumentalidade, o Dr. Mariano Calado entende que Peniche não é rica na matéria, atribuindo aos lugares em redor maior relevo e representatividade neste domínio. É uma questão de ler o que está escrito e visitar a região, mas convém ter presente a riqueza e a diversidade dos monumentos religiosos.
Em termos de solidariedade social, fica a ideia de que foram os Penichenses a deitar mãos à obra, com os apoios diversos, muitas vezes parcos e simbólicos, se não de um certo modelo de inspiração caritativa.
Em termos de cultura e recreio, apercebemo-nos da força do associativismo, na criação e gestão de espaços, de grupos e bandas de música, até ao Coral Stella Maris. Surpreende-nos a actividade teatral, com muita produção própria, nas primeiras décadas do século XX. E não é que encontramos, no livro, uma fotografia com o (leiriense) Miguel Franco, autor da conhecida “Legenda do Cidadão Miguel Lino” (peça de teatro)?
O autor avança noutros domínios, porventura na área da etnografia. Deixa nota sobre feiras, festas e romarias, e sobre diversos usos e costumes de feição popular. De permeio com diversas matérias, vai-nos deixando notas sobre o trajar.
O mar de Peniche era palco constante de naufrágios e mortes. Daí, o imaginário popular ter criado os seus mitos, as suas histórias de ajudas sobrenaturais e milagrosas, qual espécie de deuses caseiros... que ajudavam e aliviavam na dor, afinal.
No capítulo “Quando a Morte Ronda” o autor deixa-nos uma lista de diversos naufrágios ocorridos na costa, com algumas fotografias dos mais recentes.
O livro recomenda-se, pois, a todos os que gostam de Peniche e das terras à volta, aos que se interessam pela história de Portugal e pela historiografia local. A população estudantil também terá, aqui, valioso manancial de registos documentados e fundamentados, para estudo e consulta. É um trabalho árduo, sério e honesto, claramente feito com amor e carinho, que enriquecerá qualquer biblioteca ou simples mesa de leitura. Por isso mesmo, a obra terá também como destinatários os que quiserem partir à descoberta de Peniche e da sua história. Nas suas próprias palavras, o Dr. Mariano Calado deseja que este trabalho possa “ser de algum modo útil ao povo penicheiro que, entre folas e mares rasos, entre safras de esperança e naufrágios de desgraça, sempre tem tido a coragem de querer – e saber – construir a sua terra”. O livro é isto, e muito mais!


Titulo: Peniche na História e na Lenda.
Autor: Mariano Calado.
Prefácio: do Autor.
1ª Edição: 1962
2ª Edição: 1968
3ª Edição: 1984
4ª Edição: 1991, 478 páginas.



OS AMIGOS DE PENICHE: DA HISTÓRIA AO EQUÍVOCO
Datará de 1589 o conjunto de factos históricos que levaram à adopção da expressão “amigos de Peniche”, para designar os falsos amigos. Evidentemente que a expressão não é lisonjeira, pois quem conhece ou visita Peniche apreende facilmente que os sentimentos de solidariedade e de fraternidade que caracterizam a sua população não se ajustam a tal ideia.
Na verdade, a localização geográfica (estratégica, se quisermos) de Peniche tornou-a apetecível para acções de natureza político-militar desde tempos ancestrais. Omitindo os aspectos inerentes às ocupações anteriores à fundação de Portugal, tivemos a crise da sucessão resultante do desastre de Alcácer-Quibir, que veio a trazer as tropas inglesas. Mais tarde, a partir de 1808, tivemos as Invasões Francesas, com o combate da Roliça e a Batalha do Vimeiro, não muito longe dali. Mais recentemente, o Estado Novo, fez da fortaleza de Peniche uma prisão para presos políticos. Nada disto, porém, poderá retirar a dignidade a uma terra, a uma comunidade cuja história fica marcada: tristemente, concederemos, mas ultrajada, não.
Este não é lugar para desenvolvimento das controvérsias sobre a batalha de Alcácer Quibir, nem para dissertar sobre as teses possíveis em torno dos factos que deram D. Sebastião como morto (ou não), mas importa reconhecer que a hipótese da união ibérica tinha simpatizantes e adversários. Se o monarca morreu, de facto; se se refugiou no Senado de Veneza, ou no Convento dos Agostinhos, em Limoges (França), ou em qualquer outro lugar, beneficiando de protecção de Filipe II de Espanha, são questões que muita tinta fariam correr e sobre as quais não deixaremos opinião.
Depois do desaparecimento de D. Sebastião, a regência tinha sido assumida pelo Cardeal D. Henrique, seu tio-avô, sendo natural que a sua avançada idade causasse preocupações compreensíveis e conflitos de interesses nem sempre consentâneos com a graça de Deus, que, ainda assim, não tardaria a chamá-lo à sua divina presença.
A par de Dª Catarina de Bragança, D. António, Prior do Crato, era uma das hipóteses de sucessão, mas o facto de ser filho natural de D. Luís I e de uma mulher judia (Violante Gomes, de seu nome) era apenas uma peça do complexo xadrez que não lhe era favorável. Filipe II também era neto de D. Manuel I e não abdicava das suas legítimas prerrogativas, num contexto a que a Igreja Católica não era alheia, pois D. Henrique até tinha sido Inquisidor-Mor e a ingenuidade não seria um dos seus atributos. Filipe II acabaria por ser aclamado rei de Portugal nas cortes de Tomar, em Abril de 1581, diz-se que com apoio da “nata quase toda da nobreza e a gente de substância”.
Dizem os livros que os apoios de D. António estariam no Bispo da Guarda e no povo, principalmente em Lisboa, onde consta que teria sido aclamado rei de Portugal (D. António I) e feito cunhar moeda. Mas as tropas de Filipe II avançaram sobre Portugal, sob comando do Duque de Alba, sem encontrarem grande resistência, ao que consta.
D. António partiu para Inglaterra, tendo a rainha acedido a dar-lhe apoio militar, porventura empenhada em combater os seus tradicionais inimigos castelhanos. As esperanças nacionalistas voltaram-se para as tropas inglesas do corsário Drake, que aportaram justamente a Peniche, onde desembarcou importante grupo de militares, sob o comando de John Norris, já que os outros iriam ate Cascais, com o próprio D. António.
À semelhança do que já haviam feito na Galiza (Corunha e Vigo, principalmente) e noutras paragens, noutras expedições, os homens da armada inglesa de Drake, que era suposto virem como amigos, roubaram, destruíram e maltrataram. Os ingleses desembarcados em Peniche e em Cascais foram a esperança frustrada, os amigos que evitaram a luta com os castelhanos e abandonaram os apoiantes de D. António, apressando a retirada inglória do próprio.
Deste episódio de expectativas frustradas e de “falsos amigos” os Penichenses não tiveram culpa, mas assim se criou e permaneceu uma espécie de equívoco que a história tem aclarado mas que os desgosta ainda hoje. É, afinal, a história e a lenda!

Manuel Paula Maça

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quarta-feira, 12 de novembro de 2008





SÃO MARTINHO: HISTÓRIA E TRADIÇÃO

Tendo como pano de fundo a memória dos tempos que passaram, recordamo-nos de que 11 de Novembro era o dia da prova do vinho. É certo que a nossa população activa se repartia, já, por Lisboa e arredores, e a solução era antecipar ou adiantar o fim-de-semana para vir “à terra” dar substância à expressão “pelo S. Martinho vai à adega e prova o vinho”. Vinha-se, assim, apreciar e partilhar com os amigos aquilo que estava no barril de madeira desde meados de Setembro, ou lá perto. Claro que, não raro, estas provas e atitudes de partilha por vezes eram generosas, mas nem por isso a mitologia retirou ao deus Baco os atributos que lhe cabem por direito histórico.
Até nós, adolescentes, fazíamos discretas, sorrateiras e fugidias incursões nestas andanças, com o fulgor e o atrevimento que a idade nos consentia. Não raro, éramos os primeiros a provar, com o velho recurso à palhinha!

Segundo a bibliografia de que dispomos, S. Martinho terá nascido em Sabária da Panónia, actual Hungria, porventura em 316 ou 317. Era filho de um oficial do exército romano, foi educado em Paris e feito soldado, pelo pai, contra a vontade própria.
Uma vez, em Amiens, teria rasgado a sua capa ao meio para a repartir com um pobre, numa atitude cristã.
Fez-se baptizar em Amiens, em 339, e acabou por entregar-se à vida eclesiástica, ao lado de Santo Hilário, então Bispo de Poitiers. Fundou o Convento Ligugé (o mais antigo das Gálias) e mais tarde (371) foi elevado a Bispo de Tours, sucedendo a S. Gaciano e a S. Lidoire. Fundou o mosteiro de Marmoutier, desenvolveu intensa acção episcopal, fundando paróquias e obtendo conversões em massa. Viveu modestamente, sendo apontado para a sua morte o ano de 397, durante uma viagem pastoral. Achamos escrito que até o demónio estava ao seu lado, cheio de raiva.
Ficou conhecido como São Martinho de Tours, e é representado como legionário romano, a pé ou num cavalo branco; ou como Bispo, com mitra e báculo. Iconograficamente, aparece muitas vezes no episódio em que terá partilhado a sua capa com o mendigo cheio de frio. Segundo o calendário litúrgico, 11 de Novembro é o seu dia.

Existem algumas lendas para "justificar" a ligação de São Martinho (de Tours) ao vinho. Uma delas diz que uma vez alguns amigos o esperavam e ele tardava, acabando por aparecer alegre e com ares evidentes de ter estado a beber vinho...

Seja como for, em muitas religiões e culturas pagãs eram frequentes as festas integradas no calendário agrícola, o que poderia ser o caso na época da trasfega do vinho. Muitas vezes a Igreja Católica assumiu associar-se a estas festas pagãs, num processo de implantação e de conversão. Não sabemos se as castanhas acompanhavam o vinho, pois a lenda e a história interligam-se. Porém, poderão vir daqui as raízes da tradição e do ditado popular "Pelo S. Martinho, vai à adega e prova o vinho!"
Alguns autores referem casos em que a hierarquia da Igreja Católica destituiu S. Martinho de Padroeiro dos seus templos. O santo não terá sido responsabilizado, mas muitas vezes as comemorações e as visitas às adegas conduziam a abusos que terminavam em desavenças e desacatos, com pancadaria.
Sem pretendermos um facto irrefutável, conhecemos um trabalho do Dr. Candeias da Silva, publicado em 12 de Fevereiro de 1985 no jornal "Nova Aliança", a propósito da Paróquia de Martinchel, onde o Arcanjo S. Miguel (actual Padroeiro) poderia ter substituído o pobre do S. Martinho, alguns séculos atrás! O topónimo poderia deixado a marca na raiz Martin, em detrimento da lenda do príncipe mouro convertido Martin-chel. Mas isto são as encruzilhadas da história, onde ao historiador cabe especular com seriedade e no bom sentido, porque mais não pode recuar.


S. MARTINHO, PADROEIRO

Não obstante o que ficou dito, e porque mais não podemos que deixar contributos, em matéria complexa e de fontes escassas acrescentaremos breves dados que encontramos.

S. Martinho de Dume (compatriota do anteriormente referido S. Martinho de Tours), em 1985 passou a padroeiro principal da arquidiocese de Braga, sendo celebrado a 5 de Dezembro. A sua acção tornou possível o 1º Concílio de Braga, em 569, em cuja Sé estão depositadas as suas relíquias, desde 1606.
A rivalidade entre a igreja de Braga e as galegas de Lugo e S. Tiago de Compostela não serão para aqui, mas serão de indubitável interesse histórico.
Ape sar de tudo isto, S. Martinho de Tours continua padroeiro em muitas paróquias de Portugal, de Norte a Sul.
Curiosidade que não nos escapou numa das várias incursões pela Galiza é que na bonita vila piscatória de Grove o tal S. Martinho (de 11 de Novembro) é padroeiro (fotos em baixo). As festas em sua honra são apelativas, quiçá chamativas, como quem continua a dizer “vai à adega e prova o vinho”.

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com

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quarta-feira, 5 de novembro de 2008

FOJO - CARREIRA DO MATO





A toponímia é estudo essencial para a elaboração da história local. Normalmente os nomes dos lugares reflectem elementos essenciais da sua história longínqua, e daí as dificuldades em os trazer à luz do dia: faltam fontes escritas e a tradição oral aparece frequentemente fantasiada e em rota de colisão com os elementos que a investigação histórica permite apurar e sustentar.
Quem nasceu e cresceu num meio rural registou nomes que, muitas vezes, sugerem origem botânica e animal, ou de geografia física. É evidente o caso dos topónimos Aldeia do Mato e Carreira do Mato, reportados a uma época que não sabemos situar no tempo, em que o mato e a lenha abundavam e eram recurso e riqueza natural. Depois recordamos, entre outros, o Cabeço da Lebrinha, o Vale da Oliveirinha (que passou a chamar-se Valesveirinha), o Fojo, os Currais (Curréis), o Outeiro da Raposa, a Estrada Larga... Não esqueceremos, também, topónimos de provável ou eventual raiz antroponímica (provenientes de nome de pessoas): Barreiro, Arteia (Arroteia), por exemplo. Não iremos, por agora, tentar alongar-nos da matéria, posto que não temos elementos para tal. Porém, sobre o local designado por fojo poderemos falar.

O fojo é uma vasta extensão de mata e pinhal, de terreno algo acidentado, à entrada / saída (Sul) da Carreira do Mato. Um velho mapa de que dispomos assinala o local mas não precisa a sua extensão nem os seus limites, o que pouco importará nesta abordagem.
O porquê deste nome (topónimo) foi matéria de natural curiosidade ao longo dos anos, pois quem nasceu e viveu ali ao lado ouviu contar histórias de lobos e de pastores. Dizia-se que antigamente os lobos eram apanhados no fojo!
Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Porto Editora, um fojo pode ser uma "cova funda com abertura disfarçada, para apanhar animais ferozes". Os nossos vizinhos galegos escrevem foxo, o que significa "concavidade profunda no terreno" ou "buraco dissimulado para caçar animais" (1). O Dr. José Pedro Machado (2) esclarece que o termo vai colher a sua origem longínqua ao verbo cavar, em Latim (fodëre, donde foggia).
Até meados do século passado a Península Ibérica apresentava, ainda, razoável quantidade de lobos. Em tempos mais remotos, este predador era o grande inimigo dos pastores e das próprias comunidades rurais, onde e quando a pastorícia era uma das actividades dominantes. Isto transformava o combate aos lobos numa tarefa colectiva, capaz de juntar e congregar os habitantes de uma ou de varias aldeias, transformando em festa concorrida a captura de um animal. Na Galiza chegava a constituir-se uma espécie de tribunal comunitário para julgar o lobo apanhado vivo no foxo... embora tivesse direito a um advogado de defesa, a condenação a uma morte cruel era inevitável.
Percebemos, então, que um fojo era uma armadilha para apanhar lobos.
Um estudo conjunto de portugueses e galegos, iniciado em 1997, identifica cinco tipos de fojos, mais ou menos rudimentares e simples, ou mais elaborados. O fojo podia, então, ser uma simples cova ou fosso, com dimensões variáveis, coberta e disfarçada com vegetação, tendo por vezes no interior um pau aguçado espetado no chão ao alto.
Frequentemente, mais a norte de Portugal e na Galiza, os fojos eram construções de pedra para onde o lobo era conduzido em batidas, ou, então, atraído através da colocação de cabras ou ovelhas doentes no seu interior, actuando como isco. O interior do fojo era mais alto que o exterior e, uma vez lá dentro, o lobo não conseguia sair.
Em Portugal é emblemático o Fojo do Lobo da Samardã, no concelho de Vila Real, espécie de símbolo da arquitectura popular comunitária, de grande valor etnográfico. Tem forma oval, com cerca de 66 e 43 metros de diâmetro maior e menor, respectivamente, e uma altura de 3 metros no interior. O escritor Camilo Castelo Branco, em "Novelas do Minho" (3) faz curiosa e interessante descrição das suas passagens pelo fojo da Samardã: "Eu é que conheço a Samardã, desde os meus onze anos (...)".
Finalmente, de Norte a Sul de Portugal são muitos os lugares onde o termo fojo é elemento toponímico. Normalmente são zonas serranas, onde se praticava a pastorícia e onde os lobos apoquentavam os pastores e lhes comprometiam as frágeis economias de subsistência.
Pela localização estratégica (entrada / saída da Carreira do Mato), pelas histórias que ouvimos dos mais velhos e pela abordagem que deixamos, fica a presente proposta de explicação em relação ao fojo da Carreira do Mato: um fojo rudimentar, composto por fossas ou buracos escavados no solo, certamente.
Mas o pobre lobo também merece umas palavras, pois é hoje uma espécie quase em vias de extinção. Porém, se o homem mata por sede de poder, ódio, ambição e, até, por prazer, o lobo mata apenas para se alimentar, para sobreviver, em obediência ao instinto. Animais como a águia, o leão ou o tigre, também matam para sobreviver, e até simbolizam clubes de futebol, mas o lobo não teve a mesma sorte. O imaginário popular criou as histórias dos lobos maus, dos lobisomens, dos maus presságios e das doenças em animais domésticos. Entre nós, as diversas armadilhas, os venenos e as armas de fogo haviam de, gradualmente, ditar quase o fim da espécie conhecida como lobo ibérico.

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com

(1) Diccionário Cumio da Lingua Galega
(2) Dicionário Etimológico da Lingua Portuguesa.
(3) Novela "O Degredado".

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Carreiradomato

Mais de 25 anos anos a debitar matéria (que se encontra publicada em revistas, jornais e livros - em co-autoria, neste último caso), levaram-me a pensar na hipótese dos blogs, sendo que um deles se relacionaria com a Carreira do Mato (e arredores).
Importará dizer que o militante da escrita busca alternativas, pois terá dificuldade em aceitar o alinhamento acrítico – cada vez mais perceptível – da imprensa local e regional (a nível nacional, parece-me), subordinada a interesses instalados ou em vias de tal, se não, mesmo, asfixiada com despesas de portes e outras exigências. Respeitaremos, naturalmente, os jornais de confissões religiosas, de inspiração partidária, de grupos profissionais, etc., quando claramente se assumem como tal. Pena é que os leitores não sejam mais exigentes em relação aos jornais que pagam, avulso ou por assinatura. Há algum tempo o meu amigo Carlos Camponez (professor na Universidade de Coimbra) chamava, aliás, a atenção para este fenómeno no seu livro “Jornalismo de Proximidade” (Minerva Coimbra, 2002).
Com o blog poderemos, então, contornar alguns constrangimentos.
Frequentemente alguns conterrâneos (normalmente estudantes, filhos de amigos e companheiros da infância e da adolescência) me vêm pedindo elementos históricos de que simplesmente disponho, por acaso, por sorte, por questões de pesquisa, organização e interesse, mas sobretudo porque a terra onde nascemos deixa, porventura, uma espécie de matriz que nos vai acompanhado ao longo da vida, e a tais desígnios não escapei.

Porém, com meia dúzia de linhas escritas neste espaço já aconteceram coisas que não esperava, assim como não espero voltar com explicações desta natureza.

1. Em jeito de brincadeira peguei numa história de que já nem me lembrava, que um conterrâneo e amigo me recordou, enquadrada na forma como nos encontramos no serviço militar em Santarém. Por opções pessoais e por direito que lhe assiste, ele entrega-se de corpo e alma ao combate político. É candidato municipal, dá o nome e a cara à sua causa. Navegamos em diferentes águas, mas as relações pessoais não têm cores, e de um extremo ao outro do xadrez político venham os amigos e as saudáveis memórias dos tempos que o tempo levou.
Os ecos, as alusões, as directas ou indirectas de bom ou mau gosto acabaram por surgir e dar mais visibilidade ao João. Como diz o nosso povo, isso não me aquece nem arrefece. Como homem da política, ele agradece, com certeza.

2. Pior, porque donde não esperaria, veio a advertência para que isto fosse mesmo um blog sobre a Carreira do Mato, com a suspeição, subentendida, de que outra coisa o escriba poderia estar a engendrar. O que seria grave – subentendi, também.

Não abdicando, embora, do direito a mudar de ideias (não creio que venha a mudar), este espaço não foi pensado para as lides da política, porque tal não está no horizonte das minhas ambições. Mas quem é que pode impedir-me ou desaconselhar-me a abordagem de questões políticas? Todos temos o direito a pensar diferentemente, sem mesquinhez e sem preconceitos. A diversidade de ideias e opiniões a todos enriquece, quando feita com seriedade, mesmo que com ironia ou bom-humor, já que isso pode ser saudável.
O objectivo destes escritos é exactamente o mesmo desses anos de labor na Gazeta do Tejo e em jornais mais modestos, mas com valor local (A Nossa Terra Natal, por exemplo), que entravam em casa das pessoas e costumavam ser lidos. Ao caso não importarão as intervenções na zona de Leiria, onde vivo e onde espaço para escrever não vai faltando.

Longe vão, felizmente (assim julgo), os homens providenciais e os tempos em que era proibido pensar, quando eu próprio subia aos pinheiros, descalço, ou ia a Abrantes e vinha, a pé, no mesmo dia, com nove e dez anos de idade.
Quanto aos conterrâneos e amigos que, amiúde, me batem ao ferrolho, continuarei disponível. Para além destas páginas continuem a dispor do email ou do telefone.

Manuel Paula Maça
manoel.maza@gmail.com